segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Pacientes com esclerose múltipla sofrem com medo, erros e preconceito

O que um ex-lutador de jiu-jitsu que já disputou um campeonato pan-americano pode ter em comum com uma funcionária pública aposentada? Tudo. No Dia Nacional de Combate à Esclerose Múltipla, o G1 traz a história de duas pessoas que tinham tudo para serem completamente diferentes, mas que tiveram suas vidas tocadas por uma doença que ainda hoje causa muito desentendimento e preconceito: Vinicius Botelho, de 35 anos, e Roseli Del Sasso, de 42.

A história dos dois é bastante parecida. Os dois descobriram a doença muito jovens. Os dois enfrentaram dificuldades, medo e erros de diagnóstico até descobrirem exatamente o que tinham. Os dois enfrentam até hoje a incomprensão de pessoas que não entendem a esclerose múltipla. E os dois vivem uma vida absolutamente normal.

Quase 150 anos depois de ter sido descoberta e identificada pelos cientistas, a esclerose múltipla é até hoje um mistério para a medicina. Ela surge quando o próprio sistema de defesa da pessoa resolve se voltar contra o sistema nervoso. O ataque imunológico destrói a camada de mielina que recobre os nervos, essencial para a transmissão de sinais entre eles. Os sintomas variam de acordo com os nervos que são afetados e os ataques podem variar de freqüência e intensidade, indo desde uma simples falta de equilíbrio até convulsões e paralisia. A doença não é fatal, mas não tem cura.

Histórias: Roseli

Roseli Del Sasso era uma bem sucedida jovem de 24 anos quando foi devastada pela notícia de que tinha esclerose múltipla. “Morri aos 24 anos”, contou ela, emocionada, ao G1. "Minha vida, como eu tinha planejado, acabou ali."

Dois anos antes, em 1988, ela teve os primeiros sintomas, quando metade de sua face paralisou sem motivo durante quase 24 horas. Os médicos não identificaram o problema, que acabou passando sozinho no dia seguinte. Ela só foi saber o que estava de errado em 1990, na final da Copa do Mundo. Ao comemorar o gol da Itália, Roseli sentiu uma forte dor nas costas. Durante as 48 horas seguintes ela ficaria completamente paralisada do pescoço para baixo.

Levada às pressas ao hospital, Roseli precisou enfrentar uma maratona dos médicos, que tentavam descobrir o que acontecia. Até então, ela pensava se tratar de uma hérnia de disco. Um neurologista foi chamado. “Nunca vou esquecer essa cena”, conta. “Ele pegou minha perna, soltou e ela caiu. Era uma perna morta. Olhou para mim e disse: esclerose múltipla”.

O diagnóstico precisou ser confirmado por exames. Na hora do último, quando chegou a conclusão, Roseli ainda teve que enfrentar um trauma. A médica que retirava o líquido de sua coluna comentou: “você pode até sentar novamente, mas é melhor se acostumar que vai passar a vida em uma cadeira de rodas”.

Quase vinte anos depois, Roseli jamais precisou de uma cadeira de rodas. Ela anda normalmente, até corre para se exercitar e dirige como qualquer outra pessoa. Durante uma nova crise, em 2003, outro médico identificou o local da lesão que causou a paralisia em 1990 e a tranqüilizou que seu futuro passaria longe de cadeiras de rodas. “Nem cadeira de roda, nem bengala, nem nada, você vai sair daqui andando”, disse ele.

Até chegar a esse dia, no entanto, Roseli viveu assombrada pelas palavras da médica no dia de seu diagnóstico. “Passei anos em uma cadeira de rodas sem estar em uma cadeira de rodas”, conta. Forçada a se aposentar aos 28 anos, ela parou de trabalhar. “Planejei minha vida inteira de outra forma. Tem quem diga que o destino é você quem faz. Não acredito nisso, por que às vezes as coisas saem do seu controle”, afirma.


Só se libertou do medo da esclerose múltipla depois de fazer terapia. Hoje, se considera uma mulher mudada. “Aprendi a me dar valor. Sou bonita, inteligente, faço trabalho voluntário. Sou uma pessoa especial. Resolvi aproveitar a vida”, conta.

Roseli Del Sasso é hoje o centro de um grupo de pessoas com esclerose múltipla que se apóia informalmente. Em 2004, ela criou o grupo “Esclerose Múltipla Brasil” no site de relacionamentos Orkut, hoje com mais de 1700 membros. Ali, os pacientes oferecem conselhos, pedem ajuda e buscam compreensão. Duas vezes por ano, os membros se reúnem pessoalmente.

Histórias: Vinicius

É na comunidade de Roseli no Orkut, que o bancário Vinicius Botelho também busca orientação de pessoas com as mesmas preocupações que ele. Jovem bonito e atlético, Vinicius nem de longe parece o falso estereótipo de fraqueza que muitas pessoas relacionam aos pacientes com esclerose múltipla. Ex-lutador de jiu-jitsu, campeão de etapas estaduais, chegou até a competir no campeonato pan-americano da modalidade. E em 1998, aos 25 anos, descobriu que tinha esclerose múltipla.

Como aconteceu com Roseli, os primeiros sintomas também surgiram dois anos antes. Em 1996, ele sofreu uma crise sem perceber e ficou um tempo sem enxergar adequadamente. Em julho de 1998, percebeu alguns problemas, procurou ajuda médica, mas não teve sorte. Ao ver a falta de sensibilidade na mão esquerda, achou que o problema era circulação e procurou um cardiologista, que o encaminhou a um neurologista. Quando a dormência passou para a mão direita, este último o mandou tratar com um médico vascular. “A mão esquerda era um especialista, o neuro. A direita com outro, o vascular. Um absurdo”, disse Vinicius.

Logo em seguida, o problema passou para as pernas. Vinicius percebeu que não estava andando direito. “Me arrastava para os lados e não conseguia engatar a marcha do carro. Precisava usar a mão para ajudar a perna a pisar na embreagem”, contou. Procurou um hospital. Ali, novo erro. Disseram que o jovem tinha câncer na coluna.

Só depois do susto e de muitos exames, eles descobriu que sua doença não era fatal. Mas o acompanharia para toda a vida.

No dia-a-dia, como a maioria dos pacientes, ele não tem sintomas 100% do tempo. “As pessoas que não sabem que sou portador de uma doença crônica nunca imaginam”, conta. Quando tem uma crise, no entanto, chega a ficar três dias internado.

Conselhos

A esclerose múltipla, como no caso de Roseli e Vinicius, surge sem avisar e, na maioria dos casos, os primeiros sintomas aparecem na juventude. O que deve fazer quem descobre a doença? Os dois têm a mesma resposta.

“Converse abertamente com seu médico, ele deve ser seu amigo”, conta Vinicius. “Busque informações e contato com grupos de apoio”, diz ele.

Roseli concorda. “Em primeiro lugar, calma. Procure um bom médico, em quem confie. Não seja inimigo do seu médico. Ele tem que ser seu melhor amigo dali para frente. Não se desespere e saiba que não estará sozinho, temos muitas pessoas nessa jornada”, aconselha. “Saiba que as pessoas morrem com esclerose múltipla, mas não de esclerose múltipla”.

1 comentário:

Regina de O. Heidrich disse...

Você recebeu o prêmio Dardos.
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Um abç
Regina