quinta-feira, 26 de junho de 2008

Molécula extraída da peçonha de aranha tem potencial neuroprotetor

Pesquisadores da USP de Ribeirão Preto isolaram a Parawixin1, primeira molécula isolada da peçonha da aranha Parawixia bistriata. Em testes de laboratórios com ratos, os cientistas descobriram o potencial neuroprotetor da substância, que foi capaz de proteger as células neuronais — células nervosas — do efeito devastador que pode causar o excesso de glutamato, um aminoácido importante no metabolismo humano.

A pesquisa foi considerada pelos editores de uma das mais respeitadas revistas científicas de farmacologia do mundo — a norte-americana Molecular Pharmacology — como uma das mais promissoras perspectivas para o desenvolvimento de medicamentos mais eficazes no tratamento de doenças como a esclerose lateral amiotrófica, mal de Alzheimer, esclerose múltipla e esquizofrenia.

Em sua última edição de 2007, Delany Torres-Salazar e Christoph Fahlke, do Instituto de Neurofisiologia de Hannover, Alemanha, analisaram o trabalho publicado pela doutorada Andréia Cristina Karklin Fontana, que foi orientada e co-orientada, respectivamente, pelos professores da USP Joaquim Coutinho-Netto, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), e Wagner Ferreira dos Santos, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), que estudam essa espécie de aranha há mais de 10 anos. A Parawixia bistriata é comum na América do Sul e pode ser encontrada principalmente em áreas de cerrado.

O excesso do glutamato, que também é um neurotransmissor — principal substância química produzida pelos neurônios de mamíferos e que faz a comunicação entre as células, as sinapses — causa a morte celular, que em alguns neurônios, pode ocorrer em apenas quatro minutos. O resultado desse processo de morte das células nervosas pode levar a lesões e, conseqüentemente, às chamadas doenças degenerativas.
Glutamato
Para equilibrar o processo de produção de glutamato, o organismo dos mamíferos produz também o ácido gama-aminobutírico ou, simplesmente gaba, que é o inibidor natural das ações do glutamato no sistema nervoso central. Nas mais simples ações dos mamíferos como, por exemplo, um levantar de braço, acontece o processo de liberação e inibição do glutamato no tecido nervoso.

Mas como em toda engrenagem, esse processo precisa ser perfeito. Em situações de estresse a retirada do excesso de glutamato acontece pelas células neuronais, mas principalmente pela glia. Quando esse processo de retirada falha, ou pela superprodução de glutamato ou pela deficiência na liberação do gaba, para inibi-lo, é que ocorre a morte celular. Até hoje, a terapia para esse tipo de alteração consistia no bloqueio da entrada do volume excessivo de glutamato no neurônio. Mas as atuais terapias não evitam a morte celular.

A molécula Parawixin1, descrita pelos brasileiros, age justamente na limpeza desse núcleo. “Ela é uma substância que modifica sua própria estrutura de tal forma que parece que tem uns ganchinhos puxando glutamato, fazendo com que o meio de transporte dele para fora dos neurônios seja mais eficiente e acelerado mesmo em grande quantidade e, assim, evita a morte celular. Os medicamentos existentes hoje diminuem a estimulação, mas não bloqueiam a morte celular. A pesquisa foi capaz de fazer isso”, comemora Santos.

Para Coutinho-Netto, em doenças auto-imunes, por exemplo, onde os neurônios estão sendo atacados e liberando glutamato, a molécula pode agir como um aspirador. “Essa pesquisa, apesar de ser bem básica, traz boas perspectivas porque há 30 anos não se tem nada de novo nessa área. Os medicamentos existentes hoje são provenientes de descobertas do início do século passado.”

Por isso, os pesquisadores internacionais que aguardam a descrição da estrutura da molécula Parawixin1, a consideraram intrigante, pois tem ação específica e com potencial para se trabalhar com o sistema nervoso central. “Ela é totalmente desconhecida e nova”, relata o professor Coutinho-Netto. O trabalho publicado por Andréia é uma continuação das pesquisas dos professores Coutinho-Netto e Santos e caracterizou a ação da Parawixin1.

Testes
Para os testes com essa molécula os pesquisadores induziram os ratos a uma isquemia de retina, com o aumento da pressão ocular, que leva o cristalino a empurrar o vitrio e causar a cegueira. Antes disso, injetaram no animal a molécula Parawixin1, por via venosa. “Ela bloqueou o processo de estresse causado pela liberação excessiva de glutamato e evitou a morte celular, atuando como protetor neuronal, mesmo depois de 60 minutos da indução. Se com essa molécula segurarmos 10% de morte neuronal, já será um ganho imenso para a ciência, pois estaremos retardando o processo de morte celular e isso é completamente novo. O que vimos até hoje é a inibição da produção de glutamato ou a estimulação de produção do gaba”, comemora o professor Coutinho.

Outras vantagens da molécula Parawixin1 é o fato dela ser muito pequena, o que facilita a descrição da sua estrutura e sua reprodução em laboratório. “Tudo indica também que não causará efeito colateral porque sua ação é muito específica e ela atua em quantidades muito pequenas”, conta o professor.

O próximo passo do grupo é a descrição da sua estrutura, a cargo do pós-doutorando Leonardo Gobbo Neto e do professor Norberto Peporine Lopes, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCFRP). A doutora em Bioquímica pela FMRP, Andréia Fontana, continua estudando a ação da Parawixin1, na Universidade de Pittsburgh, na Pensylvania, Estados Unidos. “Depois da descrição da estrutura vamos pedir a patente e tentar reproduzi-la em laboratório (sintetizá-la). Não dá para ficar matando aranha para retirar toxina”, brinca o professor Coutinho-Netto.
Fonte: uai.com.br

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