"Conheço o caso de uma pessoa a quem o prémio foi agravado em 1100 por cento. Ou seja, pagava mais de seguro do que de empréstimo bancário. Há mesmo seguradoras que se negam a fazer seguros. São diários os casos de discriminação", revelou à Agência Lusa o presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, Humberto Santos.
Maria Pereira, 33 anos, é um desses casos. Quando há menos de dois anos lhe diagnosticaram esclerose múltipla, a professora do Redondo nunca imaginou que a doença se tornasse no único obstáculo à compra de casa.
Segundo o relatório médico que entregou à seguradora privada, a doença estava "na fase inicial e perfeitamente controlada", mas para a companhia existia "elevada probabilidade de ocorrência de sinistro", razão para "adiar por três anos a celebração do contrato".
Maria tentou então uma empresa com capitais estatais: "Disseram-me logo que o seguro de vida seria negado. Fiquei ainda mais desapontada por ser o próprio Estado a negar-me o pedido. Não condeno as seguradoras por se recusarem, quando o próprio Estado também o faz". Sem seguro de vida, o crédito à habitação foi negado.
"Não consigo aceitar o que fazem às pessoas com problemas de saúde. Tenho uma vida activa, dou 28 horas de aulas semanais e sinto-me com força. Não sou nenhuma inválida mas sou discriminada", critica a professora.
Conhecedora da lei que desde 2006 pune a discriminação de pessoas doentes e deficientes, a professora recorreu à Provedoria da Justiça (PJ). Na Provedoria, a história de Maria não foi novidade. Desde o ano passado, entraram onze queixas relativas a casos semelhantes.
Fonte da PJ, que em Março condenou publicamente as "reiteradas práticas discriminatórias", alertou no entanto que este número está "muito aquém da realidade, porque a maioria dos casos não se transforma em queixas nem reclamações".
"Há quem não conheça a lei, mas também há muitas pessoas que sabem que estão a ser alvo de discriminação mas têm consciência de que as suas acções estão condenadas à partida, porque irão lutar sozinhas contra um batalhão de advogados", confirmou Humberto Santos.
Só no primeiro trimestre do ano, a Associação de Defesa do Consumidor (DECO) recebeu 125 reclamações relacionadas com seguros de vida, dos quais 15 por cento estima que sejam casos de discriminação por doença ou deficiência.
A Agência Lusa contactou três das maiores companhias seguradoras a operar em Portugal e todas confirmaram que os prémios dos seguros seriam agravados no caso de se detectarem riscos agravados de doença.
"Depois de seis anos de luta conseguimos finalmente ver aprovada a lei que garante que as pessoas não são discriminadas. No entanto, entre 2006 e 2008 assistimos a casos evidentes de discriminação objectiva dos cidadãos, em que algumas companhias foram arriscando o agravamento dos seguros", lembra Humberto Santos.
Nuno Miguel Lopes, 31 anos, foi outra vítima das seguradoras que viu o seu seguro agravado em 205 por cento por ser diabético. Ao tomar conhecimento da lei anti-discriminação, entrou em contacto com a seguradora para rever o contrato, mas "até agora" ainda não conseguiu ver reduzido o prémio.
"Disseram-me que a lei não tinha efeitos retroactivos e nenhuma seguradora me garantiu que baixasse a prestação. Contactei então o Instituto de Seguros de Portugal (ISP) que disse que não tinha competência para avaliar a situação", lamentou.
É precisamente ao ISP que cabe aplicar as coimas pela prática de actos discriminatórios, mas até Março deste ano ainda não tinha instaurado nenhum processo de contra-ordenação.
Também o Instituto Nacional para a Reabilitação parece estar pouco activo no que toca a dar seguimento às reclamações que recebe. Até Novembro do ano passado tinha recebido 90 reclamações mas só instaurou cinco processos de contra-ordenação.
Para Humberto Santos, a situação vai tornar "mais preocupante" quando em Janeiro de 2009 entrar em vigor o Decreto-lei 72/2008 que "volta a permitir injustiças" contrariando o espírito da Lei de 2006.
"Em menos de ano e meio o Governo achou-se no direito de contrariar o que tinha sido aprovado unanimemente pelos 230 deputados da Assembleia da República. É uma verdadeira hipocrisia política", criticou.
A posição é corroborada pela jurista da Deco Carla Oliveira, que afirma que "com este novo regime não há nada que impeça as seguradoras de discriminar", uma vez que o diploma "introduziu uma excepção que na avaliação de risco podem utilizar critérios subjectivos e podem declinar a feitura de seguros ou agravar os prémios.
A jurista da Deco lembra que o "novo diploma prevê que caso o consumidor discorde da avaliação feita seguradora poderá recorrer a uma comissão de recurso, mas o problema é que essa comissão é meramente consultiva".
Fonte: Noticias Sapo
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